terça-feira, abril 03, 2012

Too Numb

Tinha de deixar passar uns dias. Mesmo a preciosidade da emoção imediata, das impressões calorosas, pensei não ser aquele o melhor momento de escrever.

Passar para o papel aquilo que se sente com intensidade é tarefa das mais inglórias, para não dizer impossível. Qualquer coisa que digo e com certeza direi sobre o presenciado na noite do dia 29/03 não será sequer a sombra do que ocorreu, de fato, no Engenhão, Rio de Janeiro. Sabe suas idéias postas num palco com imagem, som e movimento? Quando essa tríade é feita sob enredo, direção artística, produção e alta tecnologia projetada numa tela de dezenas de metros quadrados? Quando tudo isso está a serviço de uma causa ou um amontoado delas?

Isso é The Wall. Uma história com mais de 30 anos de gênese. A monstruosidade do espetáculo é diretamente proporcional a(s) mensagem(ns) carregadas consigo. O humano é posto a prova durante mais de 2 horas. Uma constante paulada em nosso ego e no que fomos/somos capazes de fazer e não fazer. Meus olhos nunca estiveram diante de algo tão intenso de significado quanto nesta noite. Seu nicho, seu trabalho pensado em forma de ação, atitude. Seus problemas internos, sua susceptibilidade ao sofrimento. A capacidade que isto te dá de isolar-se e desistir do mundo, das pessoas, das idéias... Um olhar da vida enquanto trajetória pensada, montada e guiada por um conjunto de rótulos e valores.

Em algumas ocasiões fui abordado por me sacrificar tanto para estar num show, vendo um cara tocar. É muita idolatria a uma pessoa. Não. Não. Não. Não é a pessoa, o rock, o superego de ir. Nada disso. Fui lá renovar minhas "insanidades", meu senso crítico de não continuar me curvando a isto ou aquilo que nos é posto conforme a conveniência de alguns. Fui perceber que não é motivo de vergonha "tremer de indignação perante as injustiças do mundo" (Che). Que não se deve calar perante a barbárie e a total falta de limites de consumo deste mundo doente na carne. Fui "sujar" o para-brisa para depois limpá-lo. Enfim, não é o show ou o espetáculo. FUI AO MEU PRÓPRIO ENCONTRO. O quão dolorosamente confortante foi me enxergar ali. O silêncio e as caras da multidão saindo depois do show entrega tal perspectiva. Já depois de sair do estádio, do trem, na estação do metrô, Comfortably Numb ecoava em som ambiente, levantando coro, emocionando a todos e todas. Foi a arrepiada final.

O The Wall traz minha própria história. Ajudou-me muito em minha postura nessa sociedade (há séculos fadada ao fracasso), quando o descobri há mais de 10 anos. De lá pra cá passei por suas 4 fases, digamos assim. Ouvi o disco, assisti o filme e o show Live in Berlim. Finalmente, assisti o show presencialmente. Mesmo colaborando com minha formação, nada das outras fases se compara com o que tive defronte os olhos naquela noite. Pessoas e lugares navegaram pela memória. Via-me na primeira vez que montamos Comfortably Numb no Arlequim pelos idos de 2006, a cara de felicidade do Paccelli solando na praça do Rock. As longuíssimas conversas que tivemos sobre o espetáculo como um todo. A louca idéia (não esquecida) de montar uma versão bem brasileira para o The Wall. Os planos de ver este mesmo show em Lisboa, quando do lançamento da turnê. Meses depois Paccelli nos deixaria. Com certeza também fui por ele, foi para ele. O velho estava lá conosco, junto a outros/as tantos/as pessoas caras que compartilham de similares sensações.

Termino com o que disse para Laurita Dias, tão "bulida" quanto eu ao final do show: PSICANÁLISE TOTAL...

Obrigado, Waters. Seu muro foi um espelho. Vida e morte refletidas, olhos encharcados, soluços afins...


































Créditos das fotos: Lays Tamara e Laurita Dias

6 comentários:

  1. Ainda não achei palavra minha que dissesse tudo que senti, mas foi uma grande honra dividir sentidos 'confortavelmente entorpecidos' contigo desde os idos cajazeirenses e juntos estarmos diante de Mr. Waters a sentir pulsar vida, saudade e histórias se misturando à resistências contra mediocridades. Nenhuma alma entenderia melhor a minha naquele momento. E vice-versa. Valeu por tudo, Diegão.

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  2. Da tela do PC, arrepios, lágrimas...emoções incontidas...Tantas!
    Tão insano, insaciável, enérgico, profundo...Em formas intrasponíveis de quem não pôde ver/sentir esse espetáculo de perto. Não, impossível aos sentidos absorver tamanha emoção, talvez nem mesmo os que estavam presentes consigam expor tal ato, (Eu sairia viva de lá?)
    Todas as suas palavras, meu caro Diego, transfiro para mim, na ânsia de uma dia poder aplaudir em solo e ao vivo essa fantástica obra, que perfeitamente reflete as vivências, a História encarnada, a musicalidade que efervesce o âmago...
    Gurgel, certamente arrancaria meus cabelos, no mínimo, por não ter ido! Bem sabemos que ele partiu esperando ir ao show, levando todos nós de "tiracolo", seus alunos e amigos mais chegados, mas valeu Diegão e Laurita por terem hasteado nossa Bandeira por lá, transformando um sonho que parecia tão distante, em realização de uma vida!
    O muro caiu, e meu choro vai perdurar...

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  3. Caríssimo Diego!!!
    Li e rê-li o post...arrepios, gratidão pela partilha e um pouco de inveja(comedida é claro, ainda assim, inveja sim senhor!!!). E quem não gostaria de estar lá?..presenciando a História se fazendo música e a musicalidade da vida se misturando ao som de um monstro Rocker!!!De resto, e como palavra nenhuma desnuda o sentido, assistamos o video e torçamos para alcançar um vislumbte desta murada em oportunidade outra.

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  4. As palavras de todas dão conta de chegar à sensação pelo qual passamos, Laura e eu. Estou convencido disso. É isso mesmo. A história se faz arte e mostra-nos chagas que teimam em estar em voga. Rock'n'Roll pensante, contestador e clássico. Algo melhor que isso?

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  5. Nossa Diego! Estou maravilhada com o que escrevestes aqui.Senti o fervor de sua alma ao colocar essas emoções no post.Não é fácil traduzir sentimentos em papel, muito menos fazer esse êxtase atingir inclusive os leitores através da tela fria de um PC. Me senti meio longe, viajando,por assim dizer;coração arrebatado e lágrimas nos olhos só em ler e ouvir essa maravilha que você e Laurita tiveram a oportunidade de presenciar.Deve ter sido realmente fantástico e deslumbrante ver Waters ao vivo.Sem dúvida esse foi o show da vida de vocês.

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  6. Sem dúvida, Kadidja. Sabe daquele momento imediatamente posterior ao choque? Nada e ao mesmo tempo tudo permearam pela mente...

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