quarta-feira, outubro 03, 2012

A solidão e a cidade

Escrever sobre minha estadia pelas bandas de Filipeia de Nossa Senhora das Neves  era algo que relutava a fazer. Nos últimos 13 meses de existência material dedico semanas (precisamente os tais "dias úteis" - expressão encachoeirada de contradições) à capital de nosso Estado. Aqui vim trabalhar (outro conceito escroto esse, o de "trabalho"). Não vou me ater ao trabalho e seu desenrolar. Por hora, registro que gosto. Uma instituição pública, centenária, que durante sua trajetória voltou-se a formação de  técnicos e tecnólogos  produção industrial, que, ao longo das décadas foi ganhando conceitos pedagógicos antenados com o contexto histórico de seu tempo, e que atualmente ganha outra prerrogativa, a da formação acadêmica ampla (ensino, pesquisa e extensão indissociáveis), diversificando suas áreas de conhecimento e modalidades, sem abandonar, contudo, sua função pioneira. É um desafio e tanto, sobretudo no contexto da "coisa pública".

Porém, não é disso que quero discorrer. Falo de minhas "estadia e percepção" da capital, da cidade grande, da "violência da noite, do movimento do tráfego", e da relação dialética entre a cidade (e suas pessoas) comigo. Logo eu, filho único que viveu sua infância em cidade grande, estupidamente grande, em São Paulo, com seus muros e grades. Que depois virou a moeda para o lado provinciano de Cajazeiras... Volto ao eixo e ao modus vivendi dos semáforos, engarrafamentos e enlatados em conserva. Curiosidades da vida. Se é o tal destino, o karma (e DNA), o "plano de Deus para mim", confesso que não sei e muito menos preocupado com isso estou.


[Vez por outra, ao meter o bedelho nos assuntos do cotidiano, adentro assuntos de ampla dominação e sistematização da Psicologia. Como sou um frequentador de tabernas, olho o mundo a partir delas. Isento-me das distorções conceituais, visto que não sou da área e não pretendo ser. Encaminhem suas dúvidas a quem o  é. Conheço dois. Minha inconformada formação em História me dá subsídios para rabiscar sobre algo que incomoda, só isso. Portanto, nada de conferir uma importância desproporcional ao que aqui se posta.]


Um dos motivos de minha estranheza perante a zona urbana por excelência pode ter sido o fato de ter vivido totalmente o intervalo entre São Paulo e João Pessoa em Cajazeiras. Foi justamente o período mais louco da vida do sujeito, a adolescência  São 14 anos de plenitude na Terra do tal Padre. Trabalhei em Sousa durante 3 anos, voando pra casa ao final da labuta diária. Sousa possui um contexto similar ao de Cajazeiras, provinciano cosmopolita. Uma urbe do Sertão é caracterizada pela convivência não harmoniosa de valores, códigos de conduta e ética. Mesmo não convivendo tão pacificamente assim, percebo uma antropofagia entre o velho e o novo nas pessoas forjadas neste meio. Tipo um Seu Lunga que frequenta o teatro, que escuta Bob Dylan, que lê ficção científica e que (infelizmente) exagera no compartilhamento de frases de efeito no Facebook. Diante das distorções históricas do século Xis-Xis e do Rock'n'Roll, todos nós, da província à metrópole, ao menor contato com a contracultura, adquirimos novos sabores (alguns dissabores) e filosofias de vida. É o novo que não anda tão novo assim. Esta abertura universal também trouxe um outro novo (que parece o Benjamim Button, fica cada dia mais novo): o consumismo, o individualismo e a indiferença. E é nesse ponto, essencialmente urbano, tipo um super-urbano, que mais me repulsa pelas bandas da cidade grande. Os "cada um por si e Deus CONTRA todos" (carinhosamente chamado de "cada um por si e Deus POR todos") me soam muito mais estranhos que ver uma roda de pessoas ouvindo Nirvana ou Charles Aznavour em um celular numa pequena cidade "na pinga da meio-dia".

Na grande cidade tudo é privado. As ruas lotadas de veículos (nas auto-pistas nem calçadas existem). As pessoas preferem os espaços privatizados dos Shoppings Centers ou de seus apartamentos do que um papo de boteco. O espaço não-privatizado que o Humberto Gessinger pergunta em "Segunda-feira Blues" ainda respira em nosso interiorzão.

Não quero dizer com isso que "bora simbora morar na rua" ou exageros inerentes de um romantismo que às vezes me soa tão estranho quanto alguém que está ouvindo Nirvana ou Charles Aznavour no celular numa pequena cidade me olha com olhar indiferente quando peço para tocar Roberto Muller ou Reginaldo Rossi. Cultivo intensamente o lance da rede, acompanhada de um livro, um filme e/ou uma cerveja solitária no covil. Meu momento individual é sagrado ao ponto de comprar briga feia para garanti-lo. Porém, não o cultivo ao ponto de criar fungos entre as nádegas e a rede.

Talvez seja normal encarar a cidade grande nessa perspectiva. Não quero dizer que ela é ruim por conta disso. Não, não. Ela lhe dá uma porrada de possibilidades que a pequena urbe não permite. Faz parte. A Terra do Rio Sanhauá sempre foi um diferencial de cidade grande para mim. Talvez por não ser tão grande quanto Sampaulo ou Hellcife. O bairro que resido por aqui possui diversas semelhanças com uma cidade pequena. É uma cidade dentro de João Pessoa não só pela quantidade de habitantes, mas pela áurea, pelo espectro, da praça grandona e dos botecos do bairro com seu público tradicional. Talvez as "pequenas" cidades como Cajazeiras e Sousa sejam uma espécie de bairros que, a partir do """"""desenvolvimento"""""" da humanidade tornar-se-ão grandes cidades, com seus consumismos, individualismos e indiferenças.

Por último e fundamental, toda a minha vida está pelas bandas do sertão. Quase todas as minhas amizades daqui foram construídas lá, com as características de lá. As que vou fazendo por aqui baseiam-se na mesma premissa. São amizades forjadas na ideologia "Copo e Cruz", distante dos Shoppings Centers.

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